segunda-feira, 31 de outubro de 2011

ENQUANTO HOUVER VIDA VIVEREI - Julio Emilio Braz



A Aids é um problema muito sério não só para a sociedade brasileira, mas também para aquele indivíduo que pelo menos se ama e ama o outro. O livro “Enquanto Houver Vida Viverei” do escritor mineiro Júlio Emílio Braz aborda justamente esse problema, enquanto os órgãos públicos ainda “fingem” que a “coisa” não existe, e embora também o renomado biólogo David Baltimore, 70 anos, Prêmio Nobel há 33 anos, já tenha dito recentemente que a “cura da Aids ainda está muito longe”.


Esse paradidático foi escrito com o objetivo de informar alunos do ensino fundamental (*originalmente destinado às classes de 7ª e 8ª séries) por meio de uma história de ficção, mas transborda, desde o início, a perplexidade e o desconsolo com que se sabe será o fim de todos nós (não só dos condenados por essa doença de “merda”). E, para isso, alguns trechos do livro foram marcados com uma faixa lateral cinza, pois contêm informações que o Tinho, ou Mister Aventura, um garoto de 18 anos recém completados, personagem principal da história, coleciona para entender melhor a doença e a si mesmo.

INTERVENÇÕES NO COMEÇO DO FIM – Num dos capítulos o autor usa um pensamento da escritora Vera Lúcia de Oliveira: “O corpo de um torturado escava através dos séculos sua intensidade de morte e dor. Mas Deus, para quem não existe a história, como pode suportar o horror de um momento único onde só o que muda é a boca que grita?”. Achei (literalmente) lindo essa intervenção! Mas, voltando ao personagem, inebriado com o presente que recebera dos pais, sua moto Sahara, sai para comemorar junto de sua turma. Por distração acaba batendo em um carro e, no hospital, recebe uma transfusão de sangue. Depois disso, ao ser internado num outro hospital por causa de uma pneumonia, descobre que possui o vírus HIV. “O senhor deve estar enganado, doutor. Eu não posso estar com Aids. Isso é doença de bicha e eu não sou bicha nem nunca transei com um” – questionou o garoto ao descobri-se doente e impregnado de preconceitos e ignorância.

A partir daí sua vida sofre uma mudança radical, ele se isola e é isolado, perde os amigos, a namorada Laurinha e quase desiste de viver. E, pela primeira vez, o Mister Aventura chorou amargamente. “A vergonha seria grande demais para eu suportar. Eu não agüentaria ser olhado com desconfiança e certamente brigaria se alguém começasse a pôr na cabeça que eu era gay”. Com o auxílio (e determinação) de seu avô Parma, consegue voltar às aulas e tenta viver como um garoto normal, apesar de ter de manter uma batalha constante pela vida, lutando contra o medo, a ignorância e o preconceito. “Então me via magro, extremamente magro, o corpo avermelhado e coberto de cânceres como o sarcoma de Kaposi, os olhos fundos nas órbitas e destituídos de qualquer brilho”.

EU, MISTER AVENTURA E FREDERICO – Lembrei do livro “Depois Daquela Viagem” de Valéria Polizzi e de Frederico, o poeta punk do meu livro “Clandestinos”, escrito em parceria com Anna Carvalho, e acabei recordando de passagens semelhantes em ambos os livros. A dor da rejeição, a vergonha por ser mais um nas macabras estatísticas dos mortos-vivos e, principalmente, pela incapacidade de visualizar algum futuro no meio do medo das pessoas. “Saber que se vai morrer, e não saber quando, é algo extremamente doloroso”.

Dentre os assuntos tratados no livro, veio também à tona a má interpretação da distribuição gratuita de preservativos, pois ainda existem pessoas nesse Brasil século XXI que acham que, pelo fato dos postos de saúde dar camisinhas, eles iram induzir os adolescentes a terem relações sexuais mais cedo, como se isso fosse o motivo predominante do aumento das contaminações. E o que é visto nas novelas e nos filmes? E o que é visto em toda parte? É triste ver o trabalho de meses de educação sexual ir por água abaixo, só porque o jovem, na hora H, não tinha uma camisinha à mão, mas como disse o Renato (quantas saudades eu sinto desse cara!): “E há tempos são os jovens que adoecem, há tempos o encanto está ausente e há ferrugem nos sorrisos. E só o acaso estende os braços a quem procura abrigo e proteção”.

Segundo estatísticas documentadas no próprio livro: “70% dos aidéticos brasileiros morrem até dois anos depois de manifestar os primeiros sintomas da moléstia”. Mas, “o medo faz coisas estranhas com as pessoas. Elas se ornam impiedosas e mais suscetíveis à mesquinhez do primeiro eu”. E era justamente por causa disso que o Mister Aventura “sentia vontade de voltar para a escuridão de sua própria dor”. “Aposto que tinha muita gente esperando que eu saísse correndo, me debulhando em lágrimas janetclerianas (...) Ah, é... Ainda acenei para alguns que insistiam em ficar me olhando como se eu fosse o novo mico-leão do zoológico”.

Porém, como disse o próprio autor, parafraseando Nelson Rodrigues: A MAIORIA, COMO A UNANIMIDADE, É BURRA, CEGA E, PIOR, CONIVENTE, e pior do que isso, só mesmo as propagandas do governo contra a Aids. Contudo, apesar da atitude positiva ao enfrentar a doença por parte do Mister Aventura – em suas peripécias angustiantes de um morto relutante – para fugir dos “olhos implicáveis do preconceito e do medo”, seu maior temor era morrer com a fama de bicha ou de viciado, demonstrando que esse preconceito muitas vezes parte de atitudes e comportamentos de quem menos esperamos. O final da história é bem otimista, como convém nesses livrinhos paradidáticos, apesar dos devaneios do autor e do personagem: “Enquanto o juiz apita, o jogo não acaba. Enquanto ele não apita, eu ainda vou continuar acreditando que posso vencer esse jogo e driblar monumentalmente o meu destino”. E também uma relação de hospitais especializados no tratamento de doentes com Aids no Brasil foi inclusa, se bem que, ter inserido o Hospital Roberto Santos de Salvador como referência de alguma coisa é um erro terrível, pois o hospital nada mais é do que um deposito de lixo humano. Portanto, previna-se! (“ENQUANTO HOUVER VIDA VIVEREI” de Júlio Emílio Braz, 63 págs. 1992 – Editora FTD)

fonte: E. Nascimento/O Rebate - 10/06/08

Postado por Elenilson Nascimento